RAC SANEAMENTO SOFRE SEGUNDA DERROTA NA JUSTIÇA GAÚCHA EM PROCESSO DA ENTIDADE AÇÃO AMBIENTAL

Aterro sanitário em Santo Antônio da Patrulha, instalado e operando sem que o empreendedor tenha apresentado previamente o EIA-RIMA do empreendimento na FEPAM

Em 06/06/2023, o Desembargador Francesco Conti da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Relator no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5159038-50.2023.8.21.7000/RS, ingressado pela Agravante Rac Saneamento Ltda. Matriz e Rac Saneamento Ltda. Filial e que tem por Agravado a AÇÃO AMBIENTAL, proferiu o DESPACHO/DECISÃO:

“Trata-se de agravo de instrumento interposto por RAC SANEAMENTO LTDA, nos autos da ação civil pública ajuizada por AÇÃO AMBIENTAL em face da parte agravante, da FUNDACAO ESTADUAL DE PROTECAO AMBIENTAL – FEPAM e do MUNICÍPIO DE SANTO ANTONIO DA PATRULHA, contra decisão que deferiu em parte “medida liminar a fim de determinar a suspensão a ampliação do Aterro Sanitário de RSU, em Santo Antônio da Patrulha/RS, de titularidade da RAC SANEAMENTO LTDA” (evento 17, origem).”

Sustentou a parte agravante, em suas razões, que deve ser afastada a inversão do ônus da prova, pois: (a) não pode ser realizada de ofício, (b) não houve a prévia oitiva da parte, (c) não foi devidamente fundamentada, (d) se deu de forma prematura, antes da sedimentação do quadro fático, e (e) a ação não versa sobre degradação ambiental, mas sobre licenciamento. Defendeu a inexistência de referência aos pressupostos para concessão de tutela de urgência. Mencionou que o local possui sensibilidade ambiental classificada como muito baixa. Aduziu que o projeto de ampliação do aterro segue em fase embrionária, ainda não examinado integralmente pela FEPAM. Referiu que a ampliação do aterro não se concretizou, carecendo de suporte fático a decisão. Teceu considerações acerca da regularidade do processo administrativo e a exigência de Relatório Ambiental Simplificado, conforme Portaria nº 35/2020 da FEPAM. Frisou que a capacidade atual do aterro foi superada em evento pontual, decorrente de emergência. Requereu a concessão de efeito suspensivo e, ao final, o provimento do recurso.

É o relatório. Decido.

A questão trazida a lume diz respeito a pleito de revogação de decisão que, nos autos de ação civil pública ajuizada em que se impugna a instalação de aterro sanitário em Santo Antônio da Patrulha, determinou a suspensão da ampliação da capacidade do empreendimento. Além disso, insurge-se a parte recorrente contra a inversão do ônus da prova determinado pela decisão agravada.

Na forma do art. 1.019, inc. I, do vigente CPC, “recebido o agravo de instrumento […], o relator, no prazo de 5 (cinco) dias […] poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão”.

Por tal passo, é cabível a concessão do aludido efeito suspensivo “se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso” (art. 995, parágrafo único, parte final, do CPC).

Inicialmente, no que diz respeito à inversão do ônus da prova, o art. 373, § 1º, do CPC estabelece:

  • 1º Nos casos previstos em leiou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada,caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. (grifei)

Não se vislumbra ilegalidade na inversão levada a efeito de ofício pelo juízo de origem. O dispositivo em comento, alinhado aos poderes instrutórios do juiz (art. 370 do CPC1), faculta ao juiz a dinamização do ônus probatório, não se exigindo requerimento da parte.

Ainda que a decisão relativa à dinamização do ônus probatório seja própria do saneamento do processo (art. 357 do CPC), não se verifica prejuízo na antecipação desta decisão ou violação à não surpresa, tendo em vista que indica às partes, de forma antecipada, a distribuição do encargo probatório.

Por fim, a decisão foi devidamente fundamentada, ainda que de forma concisa, na incidência do princípio da precaução.

Superadas tais questões preliminares, a presente demanda trata de possível lesão ao meio ambiente pela instalação (ainda que licenciada) de aterro sanitário de propriedade da parte agravante. Assim, aplicável a  Súmula nº 618 do STJ dispõe que “a inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental”.

Da mesma forma, o artigo 21 da Lei nº 7.347/85 – que disciplina a Ação Civil Pública -, assim estabelece:

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.  

Por fim, o artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de dinamização do ônus da prova:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: […] 

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. (Grifei)

Neste contexto, vislumbra-se hipossuficiência técnica da parte autora, dada a complexidade probatória da matéria relativa à potencial lesão ambiental exposta na inicial, a permitir a inversão levada a efeito pelo juízo.

Saliente-se que a inversão não significa confirmação da suficiência da prova apresentada pela parte autora, tampouco implica qualquer juízo conclusivo a respeito das provas já existentes nos autos, tratando-se tão somente de determinar em favor de quem milita a presunção de veracidade dos fatos na hipótese de, quando do juízo de cognição exauriente, ser insuficiente a prova coletada para fundamentar a conclusão.

No que tange à medida liminar deferida pelo juízo de origem, também não se verifica probabilidade do direito e risco de perecimento aptos à concessão do efeito suspensivo pretendido.

Isto porque a decisão prolatada, ainda que não reconheça concretamente qualquer ilegalidade no processo de licenciamento do empreendimento (seja nos quantitativos até então aprovados ou naqueles indicados com a ampliação intentada perante a FEPAM), reconhece a potencialidade lesiva e irreversível de eventual aumento da capacidade de preenchimento do aterro (de 70 para 1.500 toneladas por dia), a ensejar prudência na sua concretização.

Tal compreensão, por ora, merece ser mantida, como bem apontado pela Promotora de Justiça Graziela da Rocha Vaughan Veleda na origem, ao defender que se adote “cautela com relação a potenciais riscos da atividade incrementados pela pretendida ampliação das atividades realizadas pelo empreendimento de aterro sanitário mantido pela ré, uma vez que haverá maior volume de rejeitos em área que, embora considerada de baixa sensibilidade pela FEPAM, possui extrema importância no âmbito local, considerando a proximidade com recursos hídricos e a possibilidade de impactos sensíveis à comunidade local” (evento 15, origem).

Ou seja, neste juízo preliminar, não houve reconhecimento da inviabilidade da ampliação do aterro, cujo procedimento de obtenção de licenças pode prosseguir, inclusive em relação à audiência pública mencionada.

E não subsiste o alegado risco de lesão, até mesmo por se encontrar em fase preliminar do processo de licenciamento, como referido pela parte recorrente. Além disso, não se verifica possibilidade de equívoco interpretativo da ordem, a ensejar a paralisação injustificada do processo administrativo de obtenção de licença prévia de expansão do aterro, já que o juízo de origem ressalvou às expressas a possibilidade de “prosseguimento do procedimento administrativo destinado a tal, devendo eventual desfecho concessivo da licença para tal ampliação ser noticiado nestes autos”.

Indefiro, portanto, o efeito suspensivo postulado.

Comunique-se a origem.

Intime-se a parte agravada para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo legal.

Após, remetam-se os autos ao Ministério Público e, posteriormente, voltem conclusos para julgamento.

Diligências legais.

Porto Alegre, 6 de Junho de 2023.

Documento assinado eletronicamente por FRANCESCO CONTI, Desembargador Relator, em 6/6/2023, às 18:50:58, conforme art. 1º, III, “b”, da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc2g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 20003901473v18 e o código CRC 5623c6dd.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FRANCESCO CONTI
Data e Hora: 6/6/2023, às 18:50:58

  1. Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. 

5159038-50.2023.8.21.7000

20003901473 .V18

 

Sugestão de leitura:

JUSTIÇA DETERMINA A SUSPENSÃO DA AMPLIAÇÃO DO ATERRO SANITÁRIO DA RAC SANEAMENTO EM SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA, publicado no Blog Dinheiro Público em 7 de maio de 2023

Bacia de acumulação de chorume do aterro sanitário da Rac Saneamento Ltda em Santo Antônio da Patrulha

 

 

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